Entrevista com Myrath

Praticamente desconhecidos do mundo ocidental, os Myrath conseguiram surpreender muito boa gente com o soberbo Desert Call, um álbum que mistura metal ocidental com a sensualidade da música árabe e que se assume como um dos melhores lançamentos deste inicio de ano. Oriundos da Tunísia, um país mais conhecido pelo turismo que, propriamente pelo metal, os Myrath dedicaram algum tempo a esclarecer a Via Nocturna como se vive o metal no seu país natal e como se preparam para conquistar o mundo. Seguramente, argumentos não lhe faltam e, como nos explicam, capacidade de discernimento e confiança, também não.

A Tunísia não é o país mais provável para se esperar uma banda de metal, por isso a questão impõem-se: como vive uma banda de metal no vosso país?
Antes de mais, convém lembrar a todos que não conhecem muito do nosso país que a Tunísia foi uma colónia francesa até 1956 e, actualmente, é um destino turístico tranquilo, situado na costa mediterrânica, a menos de uma hora de voo de Roma e muito aberto a diferentes culturas. Há muitas bandas de metal por aqui que tocam regularmente, temos um programa semanal de metal na rádio nacional que também tem uma rádio Web em
www.zanzana.net/. Temos um festival mediterrânico de guitarra desde 2004 que tem permitido que muitas bandas de renome como Robert Plant, Adagio, Bertignac, Epica, Fire Wind ou After Forever tenham tocado na Tunísia nos últimos anos. Também temos algumas webzines muito activas como www.zanzana.net/ , http://www.metal-waves.com/ e www.sombrearcane.com/ que tem suportado a cena local e internacional. Obviamente, como nos países ocidentais, algumas pessoas não gostam de metal e tem uma opinião negativa a respeito dos metalheads, mas isso é outro assunto. As bandas de metal no nosso país, enfrentam uma série de desafios principalmente devido à falta de editoras e produtores e ao pouco apoio dado pela entidades e media locais.

Vocês são a banda mais conhecida internacionalmente mas deverá haver outros nomes a seguir os vossos passos e a tentar a internacionalização.
Aqui na Tunísia existem muitas bandas de qualidade que terão todas as hipóteses de seguir as nossas pisadas. Esperamos que alguns deles consigam mas para isso devem ser pacientes e esperar pela altura certa, não esquecendo que é cada vez mais difícil conseguir um contrato com uma editora devid
o à quantidade de bandas que há no mundo e também devido às alterações pelas quais a industria musical está a passar, como por exemplo os downloads ilegais. Mas para terem uma ideia e conhecerem outras bandas tunisinas de metal podem visitar os seguintes webzines/fóruns: www.zanzana.net/ , http://www.metal-waves.com/ ou www.sombrearcane.com/

Acreditam que o sucesso de bandas como os Orphaned Land, por exemplo, ajudou a que os ocidentais olhassem de outra forma para as bandas de outros continentes?
Sim, pensamos que sim. Os ocidentais deveriam estar mais abertos a outras culturas e prestar mais atenção a bandas de outros continentes que imprimem um novo apport ao prog-power metal pela adição de elementos orientais. Actualmente há um conjunto de bandas que têm uma sonoridade própria e os Orphaned Land ajudaram a desbravar o caminho para que bandas como os Myrath tivessem algum reconhecimento tocando um género de metal que não é muito familiar para a maioria dos ouvidos ocidentais mas que traz algo de excitante e fresco à cena progressiva. Sabemos que alguns dos nossos fãs quando ouviram o Desert Call pela primeira vez ficaram um pouco desiludidos porque estavam à espera de outro Hope, um trabalho mais próximo dos Symphony X, mas após algumas audições mais acabaram por adorar o álbum.

Naquela noite, quando os Myrath actuaram com Adagio e Robert Plant, sentiram que algo tinha mudado para o futuro?
Claro que muita coisa mudou desde Março de 2006, quando os Myrath eram uma banda desconhecida formada apenas por estudantes adolescentes, tendo ocorrido um assinalável progresso. Antes de mais assinámos com a editor francesa Brennus Music que permitiu editar a nossa estreia, Hope, em 2007. Nós fomos a primeira banda tunisina de metal a assinar um contracto e ainda somos a única! O sucesso de Hope deu-nos algum reconhecimento que atraiu o interesse de algumas organizações de festivais, tendo tocado pela primeira vez na Europa em Maio de 2008. Em Outubro de 2009, assinámos dois contractos com a francesa XIII Bis Records, exclusivamente para a Europa e com a prestigiada norte-americana Nightmare Records, para o resto do mundo. Essas duas editoras editaram o Desert Call em todo o mundo no dia 25 de Janeiro de 2010 o que ajudou a incrementar o nome dos Myrath e a expandir a nossa base de fãs.

Desert Call é já o vosso terceiro registo. Que diferenças existem para os seus antecessores?
Bem, o primeiro álbum Double Face foi mais uma demo. Foi auto-produzida e foi a nossa primeira experiência ao nível da composição e gravação. Éramos muito jovens na altura e a presença da influência dos Symphony X estava muito presente (agora, fazendo uma análise critica à distância, provavelmente até demasiado presente!). Hope foi a nossa verdadeira estreia, foi aclamado pela crítica e com ele ganhámos muitos fãs. No que concerne a Desert Call, poderemos afirmar que segue a mesma linha de Hope mas apresenta algumas diferenças. Logo à partida, temos um novo vocalist (Zaher Zorgati) que tem uma voz muito mais suave e melódica que Elyes o que nos ajudou a afastar um pouco da referência Symphony X, pelo menos ao nível vocal. Em muitos temas ele canta em inglês mas usando variações árabes. O álbum é, também, mais melódico com muitos arranjos árabes e orquestrações e uma excelente produção de Kevin Codfert (teclista dos Adagio), mas ainda assim, prog-power metal na linha de Myrath. Pensamos que em Desert Call introduzimos algo de novo no prog-power metal: poderá ser um novo género que mistura metal com música tradicional tunisina de uma forma que nenhuma banda o fez antes (daquilo que conhecemos!). Como exemplo fica o que uma das criticas referiu: toda a música deste álbum é bela e uma das coisas mais interessantes em Myrath é a sonoridade árabe perfeitamente distinta. Mas todo o álbum é suficientemente forte. E, mais importante que tudo, é que não é forçado. Muitas bandas que tentam replicar essas belas sonoridades arábicas falham porque se limitam a repetir o mesmo tipo de riff. Mas isto não é problema para os Myrath que criaram o seu som como a coisa mais natural. O que, vindo da Tunísia, certamente será.

Esse sentimento árabe é, realmente, muito vincado. Essa influência surge espontaneamente na vossa música?
Sim, a inspiração vem naturalmente das nossas influências ocidentais e do nosso background árabe. Tentamos criar um estilo próprio deixando que a inspiração do momento nos guie no processo de composição. Cada canção vem directamente do coração, nunca é fabricada e esta é, seguramente, a principal razão porque os temas do álbum são tão diversos. Mas agora, com a inclusão do Zaher, usámos mais a combinação entre metal música árabe de uma forma mais melódica e emocional.

Em termos de convidados quem aparece em Desert Call?
Para as orquestrações usamos instrumentos tradicionais tunisinos tocados por músicos de sessão, nomeadamente flautas e darbouka, uma percussão tunisina. O guitarrista dos Adagio, Stephan Forte, também tem uma aparição com um solo (o segundo da faixa) em Ironic Destiny. Aproveitava esta oportunidade para agradecer ao Stephan o seu apoio incondicional.

Desde a saída do álbum, em Janeiro, que feedback têm tido?
Desert Call foi muito bem aceite pelos media e altamente apreciado pelos fãs. Temos tido inúmeros pedidos de entrevistas graças a uma fantástica acção promocional levada a efeito pelas editoras Nightmare Records e XIII Bis Records; aproveitamos a oportunidade para agradecer a Lance King e Mehdi El Jai pelo seu apoio e belíssimo trabalho. Entretanto os promotores de alguns espectáculos também reparam no nosso nome e, por exemplo, já estamos confirmados para o alinhamento de 2010 do Progpower Europe que decorrerá em Outubro na Holanda e acreditamos que outros convites nos cheguem em breve.

Pareceu-me que as principais actividades promocionais se centraram mais no mercado norte Americano. Alguma razão em especial?
Como já mencionámos, temos contracto com duas editoras, uma americana e outra francesa, que gerem directamente as questões promocionais. No que nos diz respeito, nós não fazemos distinção entre tipos de mercado. O nosso estilo, pensamos nós, é muito próprio na sua mistura entre o metal e as tradições musicais tunisinas. Acredito que para os fãs ocidentais demore algum tempo até se habituarem a algumas estruturas árabes. No entanto, estamos confiantes que, à semelhança dos Orphaned Land, acabaremos por conquistar os corações de muitos fãs em todo o mundo. Mas isto é uma coisa que não acontece de imediato, requer paciência e auto confiança. E nós temos as duas!

Tem sido, frequentemente comparados a Symphony X e aliás, vocês têm referido isso nesta entrevista. Como reagem a essas comparações?
Bem, certamente, para nós é uma honra sermos comparados a a uma banda com o estatuto dos Symphony X, mas convém salientar que nós nunca tentamos ser um clone dos Symphony X, como alguém já sugeriu. Não é segredo para ninguém que entre 2002 e 2004 só tocavámos covers de Symphony X. Éramos muito jovens e o facto de tocarmos esses temas permitiu-nos aprender imenso no campo da improvisação e da composição. Por tudo isso é legitimo encontrar essas influências na nossa música, se bem que tenham vindo a diminuir ao longo dos anos. Na nossa auto-produzida estreia essas influências eram muito notórias, talvez ate demais! No trabalho seguinte, em Hope, já estavam um pouco mais diluídas e agora com Desert Call pensamos que só estejam presentes em alguns temas fruto de algumas estruturas standards habituais no prog-power metal.

E quanto ao futuro o que se segue a Desert Call?
Nós faremos várias apresentações ao vivo na Europa e faremos alguns festivais. Aliás já começámos com a presença no passado dia 24 de Março aqui, em Tunes, na 7ª edição do Festival Mediterrânico da Guitarra. Estamos também confirmados para o ProgPower Europe 2010, que decorrerá, como já frisámos, em Baarlo na Holanda entre os dias 1 e 3 de Outubro e esperamos vir a ser incluídos nos alinhamentos de outros festivais como o ProgPower USA, provavelmente em 2011. Entretando já estamos a trabalhar num novo álbum que já se encontra numa fase bastante adiantada, havendo planos para fazer as gravações no final deste ano para que seja publicado no inicio de 2011.

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